Estava grávida do meu
terceiro filho. Sempre fui uma grávida com muita sorte. Poucos enjoos, nada de
dores nas costas ou de tornozelos inchados, basicamente tinha barriga e nada
mais.
O pós parto dos meus dois
primeiros filhos também correram super bem, tudo muito tranquilo. Foi tudo bom
demais para ser verdade, mas foi.
Dos meus dois primeiros
filhos não tinha feito nenhuma daquelas coisas “pirosas” de grávidas. Nem
sessão fotográfica, nem chá de bebé nem tinha contado às pessoas de maneira
nada original.
Desta vez decidi que queria
tudo.
Certa vez ao jantar coloquei
mais um prato na mesa. Ao chegar à cozinha o meu marido disse que andava mesmo
com a cabeça no ar e que tinha posto um prato a mais. Sorri-lhe e disse que a
família ia aumentar.
Fizemos uma sessão
fotográfica linda quando estava grávida de oito meses. Também nessa altura as
minhas amigas me fizeram um chá de bebé.
Faltavam duas semanas para a
data prevista para o parto. Foi numa simples consulta de rotina. Fui sozinha
porque o meu marido tinha uma reunião, e
nunca me incomodou ir sozinha às consultas. Ele estava presente nas ecografias,
e por mim estava tudo bem assim. Antes de entrar a enfermeira perguntou se
andava a contar os movimentos do bebé. Respondi que sim, mas que por acaso nesse
dia o bebé estava muito calminho.
- Muito calminho como? –
Questionou a enfermeira.
- Mais calmo do que o
normal. Menos mexido. Mas também já não tem tanto espaço para se mexer. –
Respondi eu, achando desnecessário tanto alarido por o meu filho estar mais
preguiçoso.
A enfermeira encaminhou-me
de imediato para o gabinete médico. Sussurrou qualquer coisa ao ouvido do
Doutor e de seguida sorriu para mim , um sorriso muito forçado.
- Bem , venha lá aqui para
esta marquesa para ouvirmos esse rapaz. – Informou o Doutor.
Eu fui. O médico lá ia
mexendo aquela engenhoca pela minha barriga, mas só se ouvia silêncio. Comecei
a sentir-me nervosa, mas estranhamente não entrei em pânico.
Foi chamado um outro médico.
A enfermeira deu-me a mão e
olhou para mim com uns olhos que nunca esquecerei. Não tirei os meus olhos dos dela enquanto me
diziam que não existiam batimentos.
Repetiram isso várias vezes,
e na ausência de resposta de minha parte disseram algo como:
- Minha querida, perdeu o
bebé. Entende o que estamos a dizer? Podemos ligar a alguém?
Fui para as urgências com o
meu marido. Fizeram-me uma cesariana. Quis segurar o meu filho antes de ser
levado.
Deram-me imensos calmantes,
a mim e ao meu marido. Não sei se chorei, se nos abraçámos, não sei quanto
tempo estivemos no hospital. Não tenho muitas recordações desses dias, acho que
estive quase sempre a dormir.
Não me lembro bem do
funeral. Não me lembro bem dos meses seguintes. Tenho falhas enormes de
memórias relativas a essa altura. Estava completamente drogada. Das poucas
vezes em que estava acordada e consciente não sabia bem quem era nem onde
estava. Não me lembro bem dos meus outros dois filhos nessa fase.
Passaram cinco anos. Nunca
quis falar disto a ninguém, apesar de as pessoas à minha volta saberem obviamente.
Não é algo de que se fala quando se conhece alguém ou quando se vai a um jantar
de amigos. Parece estranho não falar disto mas escrever sobre isto, mas fi-lo porque
me fez sentido e com a condição de não dar a cara nem nome, apesar de os meus
amigos saberem que sou eu que estou aqui a contar esta minha historia de vida,
e estarem muito orgulhosos de mim.
Se calhar, deitar isto cá
para fora era aquilo que eu precisava para voltar a viver e não apenas
sobreviver. Ninguém tem de saber quem
sou. Não quero a pena de ninguém, nem o
conforto. Já o tive. Apeteceu-me contar isto e sinceramente nem sei bem porquê.
Não sei o que pretendo com isto, talvez libertar-me. Talvez dizer a outras
mulheres que não estão sozinhas. Talvez alertar para durante a gravidez estarem
atentas às coisas que pareçam mais parvas.
(Anónimo, Aveiro)
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(Imagem de Drauzio) |
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