sexta-feira, 20 de setembro de 2019

A minha história no vosso blogue - tirar a vida à minha filha


Quem me conhece sabe que gosto de ter tudo controlado e quando pensei em aumentar a família não foi diferente.
Estávamos em 2013  e decidimos ter o nosso primeiro filho. Fiz todos os exames possíveis antes da gravidez e porque não queria começar esta nova etapa e depois descobrir que havia problemas por tratar.
Mal começámos a tentar, engravidei. Foi uma imensa felicidade para toda a família!
Fiz a minha primeira ecografia às onze semanas. O médico achou melhor repetir às treze semanas alegando que o bebé estaria mais desenvolvido.  Repeti a ecografia e o médico afirmou estar tudo bem. O médico de família concordou, e eu estava radiante, vinha aí o meu bebé.
Chegou o dia por mim mais aguardado, a ecografia morfológica. Estava grávida de vinte semanas e muito curiosa por saber o sexo do bebé (desejava muito uma menina). Fui a uma médica xpto recomendada por imensas pessoas, pois a situação de ter de repetir a primeira ecografia tinha-me deixado um pouco nervosa.
O pai do bebé estava a trabalhar, por isso foi a minha irmã que me acompanhou enquanto a médica me fazia a ecografia.
“Se me conhecesse, sabia que o facto de não estar a falar muito era mau sinal… mas vou explicar-lhe tudo com calma”. Foram estas as palavras que começaram o meu pesadelo.
“Começamos pelos rins mãe. Má formação grave num deles”. Ok pensei eu, pode viver só com um rim. “O bebé tem seis dedos em casa mão”. Sem problema mais uma vez, não era grave e podia ser operado mais tarde. Mas os problemas continuavam: fenda labial grave, problemas no coração e partes do cérebro que não tem. Probabilidade enorme de morrer ainda antes do nascimento.
Percebi que era mau, muito mau. Descobri também que o meu bebé, que mexia, dava pontapés e reagia à minha voz, era a tão esperada menina.
A médica chamou outra colega para uma segunda opinião, e ambas desconfiavam que fosse trissomia 13. Explicaram que devia ser encaminhada para o hospital, onde decisões teriam de ser tomadas, pois ainda que a bebé nascesse viva, não iria sobreviver muitas horas. A minha decisão de não avançar com a gravidez estava tomada mesmo antes de falar com o pai.
Pensei que seria chegar ao hospital e resolver tudo na hora, seria mais fácil assim, como arrancar um penso da pele. Mas fui enviada para casa onde iria aguardar enquanto tratavam do processo. Fosse lá isso o que fosse.
Foram as piores semanas da minha vida. A minha bebé estava dentro de mim, viva, a reagir a todo o tipo de estímulos, e eu só pensava em acabar com a sua vida. Comecei a rejeitar a minha filha, pois amá-la doía demais. Implorava para que ela não se mexesse para não me relembrar que tive um bebé desejado e vivo, dentro de mim.
Fui chamada à maternidade para tratar de questões burocráticas. Durante esse processo foram incrivelmente frios comigo e desumanos com a minha dor. Obrigam-me a fazer uma ecografia e a voltar a ouvir o coração da minha menina. Como se fosse preciso que me relembrassem que ela estava viva e que eu é que tinha de lhe tirar a vida. Como se não bastasse, mandam-me para casa esperar mais duas semanas porque não tinham vaga antes para tratar do assunto. O assunto era por fim à vida da minha filha.
Passei essas semanas fechada em casa. A gravidez era visível e não queria perguntas. A minha filha mexia-se constantemente como que a implorar um desfecho diferente.
Os dias arrastaram-se até à véspera do internamento onde me despedi da minha filha e pedi-lhe desculpa pela minha decisão, senti culpa pois estava a escolher perdê-la, no meu coração pairava “e se for tudo engano?”
Dei entrada numa sexta-feira, estávamos em Fevereiro 2014.  Deram uma injeção no coração da minha filha para parar de bater (estes bebés não nascem vivos). Esta parte foi incrivelmente violenta para mim, ter de estar ali assistir a tudo. Segui para o quarto onde nas camas ao lado eu achei que estariam mães como eu mas o que encontrei foram duas mães a abortar de bebés saudáveis. Foi uma  crueldade para mim ter de ficar ali, a minha raiva era proporcional à minha dor... A  minha filha que tanto desejei tinha de desaparecer. E ali estavam elas, a tirar a vida a bebés saudáveis e perfeitos.
Sábado à noite começo com contrações fortes e vou para a box. Tenho um desvio na coluna por isso sou picada sete vezes até conseguirem apanhar sítio para darem a epidural. A anestesista é brusca comigo dizendo para parar de chorar pois não tarda já tenho o meu bebe... não sabe que não vou ter o meu bebe...
A indução continua, é domingo de manhã e dizem-me que quando tiver vontade de fazer força que faça. Deixam-me a mim e ao meu marido sozinhos. Afinal aquele bebé já está morto, não precisam de cuidados para que não tenha problemas no parto. Vomito, sinto a minha filha quente a sair, tocamos a campainha.  Quando finalmente alguém chega, traz uma bandeja para por a minha filha. Grito que a tirem das minhas pernas, não a quero ver nem sentir.
O meu único arrependimento é não ter visto nem pegado na minha filha, gostava que alguém tivesse tirado fotos para quando eu fosse capaz conhecer a minha filha, gostava que a tivessem enrolado num lençol e fosse tratada como bebé e não lixo orgânico.
Seguiu-se um longo período de recuperação mental. Tive apoio psicológico que ajudou muito, e amor das pessoas ao meu redor.
 Durante o período pós perda eu fui uma pessoa diferente, amarga, revoltada, invejosa. Eu queria tanto ser mãe, o sentimento de injustiça era gigante.
O tempo passou e eu fui recuperando. Em novembro 2014 chega o esperado positivo. A minha filha nasce 2015 e hoje em dia sou uma pessoa radiante. Em 2018 nasce o mano e agora sou uma pessoa completa!
Uma experiência destas marca-nos, hoje sei que ser mãe não é um dado adquirido, quero quebrar tabus, a minha filha sabe da mana que não conheceu e falo abertamente do assunto, se eu tivesse ficado presa naquela dor perdia as coisas boas que me esperavam no caminho. A todas as mães de anjo sintam-se abraçadas, o golpe é duro mas o final feliz compensa o esforço de colar cada pedaço do nosso coração.

Carla Ribeiro


O meu anjinho

O meu final feliz. 





2 comentários:

  1. Minha querida Carla no dia em que nasceste já tinha a tua amiga (de infância) com muito pouco tempo nos meus braços. Foi comovente ler o teu testemunho pois hoje como filha, mãe e avó não consigo descrever aquilo que sentiste. Hoje és uma mulher feliz pois tens uns filhos maravilhosos a teu lado.Obrigada por seres a pessoa linda que és, pela tua coragem e que esse teu sorriso lindo te traga tudo de bom que possa existir no Universo. Beijos Luíza Corda

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  2. Lindo lindo lindo .....Carla .... és um ser humano único ....��������������

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