terça-feira, 30 de outubro de 2018

O raio do macaco

Não ligo muito a aniversários, natais ou outras datas festivas. Gosto do que é espontâneo, em tudo na vida.
Gosto de ir a passar na rua e ver algo na montra que me faça pensar "Epah, a pessoa X ia adorar isto, é a cara dela". Gosto de comprar e de oferecer só porque sim.
Conheço a Matilde há quase cinco anos e não me lembro de algum dia ter pedido o que quer que seja. Nunca foi "pedinchona". Por vezes pode comentar que uma amiga tem uns ténis muito giros, ou que um brinquedo que está a passar na televisão é muito fixe, mas não é de pedir.
A rapariga andava há meses a falar de um macaco qualquer que se pendurava no dedo, que falava e dava beijinhos. A porcaria do macaco custava vinte euros. Epah, não é assim muitoooo caro, mas vinte euros dava para irmos todos jantar numa tasca qualquer. Ou para comprar uma peça de roupa para cada um (baratinha claro). Pronto para nós vinte euros por um boneco minúsculo é muito.
Fui fazer umas compras lá para casa daquelas básicas: legumes para a sopa, alguma fruta e alguns iogurtes. Ao virar uma esquina lá está ele, o raio do macaco mesmo à minha frente, o último na prateleira. Ignorei-o, ele não ia levar a melhor.
Continuei as minhas compras mas dei por mim a ir pensando na Matilde. Em cinco anos nunca houve uma queixa dela na escola. Pelo contrário, todos os professores e restantes funcionários da escola tecem constantemente elogios à miúda. No ATL fazem questão de frisar quão educada e empenhada é. Os meus amigos e familiares acham que ela é um poço de educação. A roupa dela é quase toda dada por primas e não se importa nem um pouco. Usa os ténis até estarem a romper porque sabemos que o dinheiro não dá para tudo. Não há uma vez que a mandemos em casa fazer alguma coisa e que ela refile. Orienta-se sozinha com trabalhos de casa e testes. Não temos que nos preocupar porque chega sempre a casa com boas notas. Quis ir para os escuteiros e mais uma vez são só elogios da pessoa que ela é. Eu estava grávida e ela veio dar-me a mesada dela para se fosse preciso pagar alguma coisa para o irmão que aí vinha. Porra, a miúda merece o macaco.
Voltei para trás e levei-o.
Quando cheguei a casa disse-lhe que tinha uma coisa para ela. Tirei o macaco do saco e a reação foram uns olhos muito abertos e um grande "NÃO ACREDITO!!! NÃO PODE SER!!! OBRIGADA!!!".
Valeu a pena. E valeu muito mais por ela não estar minimamente à espera. 
(Já não aguento ouvir a voz do macaco, que se chama Pedro, já agora).

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Matilde, Gustavo e Pedro.

quinta-feira, 25 de outubro de 2018

O peso do estarmos bem

Nos últimos dois anos tive quatro empregos. Sempre motivada pela busca de uma vida financeiramente mais estável.
Durante sete anos trabalhei no mesmo local. Recebia mal e a más horas, a recibos verdes, sem seguro de trabalho. Foi nesse local que fiz grandes amizades, amizades para a vida. Daqueles amigos com quem vamos jantar, daqueles amigos que frequentam a nossa casa, daqueles amigos com quem fazemos um filho (foi lá que conheci o Zé). Todos os dias morro de saudades daquela escola, daqueles colegas. Muitos até já foram saindo, mas mesmo assim fica algo de nós por lá. E algo de lá fica em nós.
Por gostar tanto de lá estar, fui-me acomodando, apesar das péssimas condições de trabalho. Aquele trabalho era quase estar entre amigos no café. Dei muitas gargalhadas com aquelas pessoas. Também chorei e fui muito amparada.
Entretanto engravidei, e a grande amizade que sentia por todos os colegas não me pagava as contas. Decidi procurar um novo emprego, e saí de um dia para o outro. Não tive tempo para despedidas mas na altura estava a fazer o melhor por mim.
Desde aí andei a saltitar a fazer substituições de baixas médicas. Não era algo fixo é verdade, mas o ordenado no final do mês caía na conta no dia suposto, recebia subsidio de férias e de Natal, e essas coisas todas.
De momento estou a trabalhar, depois de ter estado uns meses em casa desempregada. Ontem ligaram-me com uma proposta de trabalho. Era mais perto de casa, o ordenado era melhor, e era para ficar. Se calhar no passado, eu teria ido sem hesitar. Desta vez recusei sem hesitar.
Tem acontecido algo que não acontecia há muito tempo. Ao domingo de noite, não fico deprimida por ter de ir trabalhar. Quando estou a trabalhar, sinto-me verdadeiramente bem. Apesar de estar a trabalhar apenas há um mês e pouco, sinto que estou ali desde sempre. Fui incrivelmente bem recebida. 
Estou numa fase em que a minha estabilidade emocional tem de ser superior à financeira. Preciso de me sentir bem comigo, preciso de estar feliz no meu local de trabalho. E estou. 
Há muito tempo que eu não trabalhava num local onde sentisse que podia ser eu mesma. E com isto não quero dizer que ando por lá a contar a minha vida a toda a gente, e a beber copos com o pessoal ao final do dia. Mas posso ser como sou. Sinto-me em casa. 
Continuo a ter saudades daquela que foi a minha casa durante sete anos, mas esta nova casa conseguiu atenua-las um pouco. Ando calma, tranquila, feliz, e isso isso também contribui para que em casa com a família as coisas estejam melhor que nunca. 
Como em todos os locais lá terá as suas partes menos boas (que ainda não descobri), mas até ao momento, tem sido aquilo que eu precisava: um lugar que me faz bem. E não há nada que para mim, neste momento, valha mais. 

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sábado, 13 de outubro de 2018

As crianças com íman


Há crianças que têm um íman. Porra, se há.
Há crianças que cada esquina do móvel ou cada pedra da calçada, é alvo certo para elas.
O meu filho é um pouco assim. Ainda mal sabe  andar mas acha que sabe correr. Todo o santo dia este miúdo se espalha. Fora isso em casa as brincadeiras são todas na base do atirar para o chão, rebolar, e deixar as pernas com umas boas negras. Esta semana aprendeu a saltar do sofá para o chão. Quem diz sofá, diz muros da rua.
Mas uma coisa é ser o meu. Outra coisa é serem os dos outros. E hoje foco-me nos dos outros.
Há crianças que passam um ano letivo inteiro sem se magoarem. Há outras que é constantemente.
Lembro-me de uma colega que tinha 25 crianças na turma, e apenas uns pais eram assim mais complicados. Menos tolerantes, menos compreensivos, etc. Daqueles que refilam se tiramos a camisola de cima à criança, mas que também refilam quando não o fazemos. Com tantas crianças com pais tão espetaculares e era sempre aquela que se magoava, parecia bruxedo!
Há pouco tempo uma menina da minha sala magoou-se. Até ia a andar sossegada na fila, mas não sei como, foi parar ao chão. O menino que vinha atrás não parou a tempo e caiu por cima dela. A menina ficou com uma ferida assim para o feio, ainda por cima na boca.
Esta semana voltou a magoar-se, a mesma menina. Ia a correr sozinha, tropeçou e caiu. A ferida já não é tão grave como a anterior, desta vez não teve de ir ao hospital.
Como é possível, que com tantas crianças, sejam sempre as mesmas a irem magoadas para casa? A sério, em vinte crianças, calha sempre à mesma.
A mãe da primeira vez foi um amor, da segunda não gostou tanto da informação mas foi compreensiva. Afinal são coisas que acontecem com todos os miúdos. Ainda assim, não consigo habituar-me a ter crianças que se magoam quando estão à minha responsabilidade. Toda eu tremo quando tenho de fazer o telefonema aos pais a informar do sucedido.
Lido muito bem com as quedas do meu, agora dos outros, Deus me livre e guarde, não tenho coração que aguente.



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(Imagem retirada da plataforma google. Vix.com)